Dedicado às pesquisas e imersão pela pluralidade da cultura mato-grossense, Paulo Monarco revela com nova música lançada nesta quinta-feira (2), a potência e impacto do encontro que teve com uma das expoentes do movimento socioambiental mato-grossense. A canção é inspirada também pela riqueza que brota de territórios tradicionais, como o rasqueado, cururu e lambadão.
O encontro fortuito entre o cantor e a cacica se deu graças a um convite que recebeu para participar de conferência promovida pela organização indigenista Operação Amazônia Nativa (Opan). As falas da cacica xavante, Carolina Rewaptu o tocaram profundamente e foi então nesse instante que nasceram os primeiros versos de “Na frente da onça”, já disponível para audição nas principais plataformas de streaming. A música já estava no repertório de shows, tendo estreado no Festival Psica, em 2024, mas o resultado do feat, será conhecido só agora, resultado de uma produção minuciosa em estúdio.
Paulo Monarco explica que a música traz em sua base o rasqueado e lambadão, com elementos do cururu. “Tudo isso diluído de uma forma muito particular de ler e interpretar esses gêneros”. Assim como outras canções do artista, como “Gurizadinha”, é uma música que marca essa fusão de gêneros da Baixada, demarcando esse território explicitamente dentro do texto e da canção.
“Na Frente da Onça é uma continuidade dessa busca, começando pelo riff inicial da música que tem essa pegada mais rock e progressiva que vai se desenhando ao longo da música. Mas o tom parte do rasqueado. No desenrolar, traz referências do lambadão. Toda construção da música é motivada pela riqueza de possibilidades do hibridismo musical de estilos tradicionais, somados aí o cururu, para além do que a tradição já vem produzindo”. Neste trabalho, junto a Monarco (produção musical, voz e guitarra) e Carolina, estão os músicos Vinicius Barros (bateria), Igor Carvalho (baixo), Bruno de Lima (percussão) e Jhon Stuart (acordeon).
O projeto especial foi contemplado com recursos da Política Nacional Aldir Blanc em 2024, previstos no edital Aúfa – Fomento Cultural. A mixagem e masterização são de Renato Pimentel (The Magic Place) e o lançamento é do Selo Lambuza Musical. Quem assina a arte da capa é a artista visual Paty Wolff.
O encontro
À ocasião do lançamento, Paulo Monarco revive a gênese de “Na frente da onça”. “Em 2018, eu voltava para Mato Grosso, depois de alguns anos vivendo em São Paulo, e fui convidado para participar de uma conferência da Opan. Numa série de encontros conheci Carolina Rewaptu, que, ali, se destacava por suas falas contundentes sobre territórios e várias pautas relacionadas à comunidade de Marãiwatsédé”.
Segundo o cantor, compositor e produtor musical, havia muitas incertezas sobre como o Governo Federal lidaria dali em diante, com as pautas relacionadas aos povos originários.
“O clima era bastante hostil. Nesse contexto, entre indígenas de diversas partes do Brasil, indigenistas e ONGs estrangeiras, Carolina diz: ‘Diante de tudo o que está acontecendo, nós vamos ficar com medo? Não! Não podemos ficar com medo… porque o governo não é onça. A onça que é perigo pra nós’. Na sequência emendou: ‘a gente aprendeu também que quando encontramos uma onça, não adianta você correr, tem que encarar, que ela é que foge’. O velho ditado ‘se correr o bicho pega…’ fazia muito mais sentido. Ali surgiram os primeiros versos de Na Frente da Onça”, relembra.
Além da leitura política de um cenário pontual, Monarco enxerga na música, um chamado à sociedade. “Há muito a se fazer pela proteção de territórios ancestrais e populações indígenas e tradicionais. Assim, essa música atravessa todo esse tempo e desejo que possa servir como reflexão sobre o Brasil contemporâneo”.
Assim, depois de lançar Abriram-se as Veias que, simbolicamente marca o retorno do artista ao seu território, Mato Grosso, Monarco pretende se dedicar cada vez mais a exaltar a riqueza cultural do estado. “Volto para a terra onde cresci e mergulho de vez na criação de um repertório que reflita e celebre explicitamente esse lugar que me formou. A busca por reafirmar o território mato-grossense em sua complexa identidade plural segue sendo alimento para construir novas possibilidades de expressão através da música”.
Segundo o artista, o single fortalece a continuidade de uma busca por produzir um repertório que “estique a corda de nossas histórias” e, através da mistura de gêneros transite em qualquer ambiente com orgulho de ser quem se é.
“Seja através das claves musicais do rasqueado, cururu, siriri, lambadão, lambadinha, ou através de expressões e histórias que ecoam pelas ruas e rios que desaguam no Pantanal… também criando ficções possíveis para realimentar a utopia de um país diverso e rico em todas as suas expressões. A música e sua matéria impalpável e mágica é o que me guia”, declara.
Ele acredita no poder que a arte tem de realimentar sonhos aparentemente distantes ou perdidos no tempo. “Celebrar e reviver a memória e também inventar aquilo que desejamos como povo. O Brasil que acredito está profunda e naturalmente conectado às nossas raízes, nossas tradições, de ouvidos atentos às mestras e mestres, andando de mãos dadas com as sabedorias ancestrais. Isso nos faz ter mais força pra, tendo consciência daquilo que já vivemos e construímos até aqui, seguir adiante ruminando novos caminhos. Nesse momento em que o Brasil vive uma rachadura ideológica, é na encruzilhada que nos encontramos”.
Quem é Paulo Monarco?
Cantor, compositor e produtor musical. “Cria” de Mato Grosso e há quase duas décadas atuando em diversos projetos musicais, transita entre a tradição musical brasileira e a aldeia global contemporânea. Tem três álbuns lançados: Malabares com Farinha (2010), Dois Tempos de Um Lugar (2015 – com Dandara) e Abriram-se as veias (2023). Já passou por diversos espaços do Brasil e Europa, tendo se apresentado na Bienal de Berlim, Goethe Institut, SESCs, Gasteig Black Box de Munique, Cidade das Artes/RJ, Tom Jazz, Auditório Ibirapuera.
Serviço
Lançamento do single “Na frente da onça”
Dia 2, quinta-feira
Plataformas de streaming: Perfil de Paulo Monarco no Spotify, Apple Music, Deezer, Amazon Music e Tidal